dezembro 29, 2002

The Lurker volta ao Rio - "ou quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”

Mal tomo meu assento, na janela de um lotado A300 da Tam, percebo uma altercação na fileira imediatamente à minha frente

O Chato – Qual o número de seu assento?
Jovem – 4A (estende o ticket de embarke) - para a conferência do desconhecido. Nada como estar armada com a verdade (e estar previamente sentada na posissão assignada).

O Chato olha e constata a veracidade do que foi dito. Resolve então retroceder na contra-maré das pessoas que entram. Em voz muito mais alta do que o necessário, dado que a aeronave se encontra no solo, e ele está próximo da cozinha da proa, diz com uma voz em que transpassa vitória sobre o sistema e que o falante vai, agora, resolver seus recalques:

– Aeromoça! Duplicidade de assento! Aeromoça!! Duplicidade de assento!!

Segue-se uma discussão absolutamente desnecessária sobre os direitos do usuário, o qual é sempre o prejudicado, e os códigos de defesa, Infraero, Serviço de Proteção ao Vôo e o capeta de asa. Comento com o passageiro mais próximo sobre como a discussão é desnecessária, já que o assento a meu lado e o imediatamente à frente estão desocupados. Ambos achamos engraçada da afetação do Chato, que quer ir de janelinha, claro.

– Vanessa, se o problema todo é esse, avise que eu cedo meu lugar à janela. Vamos tratar de decolar.
– Muito obrigada, mas estamos contornando a situação.

A essa altura, os demais passageiros já se encontram acomodados, e a porta não pode ser fechada porque o despachante tem que acalmar o sujeito, que agora só falta exigir que o avião seja reformado para receber mais uma janela. Finalmente, a aeromoça cede e pede que, com efeito, eu ceda meu lugar como havia me proposto originalmente.

– Naturalmente – respondo levantando-me – Mas gostaria de me sentar no assento à frente (4B).
– Perfeitamente, responde ela. – Ao que o passageiro a meu lado emenda:
– Ah, sim: Agora você vai lá pra frente e deixa que eu me entenda com o Chato. Muito bonito - diz em tom de graça.
– Sinto muitíssimo - respondo com uma expressão condoída (como se me afetasse muito). Sou imitado em meu sorriso por diversos outros passageiros que acompanham o diálogo. – Todos temos que dar nossa quota de sacrifícios... - completo

Com isso o pessoal em volta desanda a rir abertamente, exatamente no momento em que o Chato aparece, com cara de "no capisco niente" e vai se aboletar na janela que me pertencia. Grandessíssimo pateta.

Já em meu novo assento e depois de algum tempo rindo-me sozinho da situação, abro meu laptop e vou trabalhar no capítulo de um livro que a Amália está preparando sobre, justamente, Satisfação do Usuário... definitivamente, a vida adora estas pequenas ironias...

The Lurker says: Exija seus direitos, lute por suas convicções mas, bolas, vá amolar o boi!

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